quarta-feira, 17 de outubro de 2012

COMO NASCEU O CRIME ORGANIZADO

Rogério Lengruber e a Falange Vermelha.

Isabel Boechat
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RL. A sigla vista com frequencia em muros e citações de uma facção criminosa do Rio de Janeiro refere-se à Rogério Lengruber, o Bagulhão ou Marechal. Apesar de seu nome em siglas, cartas e muros de centenas de comunidades, poucos sabem quem era Rogério Lemgruber, um dos mais idolatrados líderes da facção. RL foi criado na favela do Rebu, em Senador Camará e costumava cometer assaltos a bando com seu irmão, Sebastião Lengruber, o Tiguel. RL foi preso várias vezes e sua ida para o presídio de Ilha Grande, marca sua história na facção criminosa Falange Vermelha e sua entrada no tráfico de drogas da cidade. Rogério Lengruber - Foto: Arquivo / O Globo Apesar de ter passado a maior parte de sua vida no Presídio de Ilha Grande, foi lá que começou a se tornar um homem respeitado no mundo do crime. Conheceu comparsas como Willian da Silva Lima, o Professor; José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha; José Jorge Saldanha, o Zé do Bigode e Orlando Conceição, o Orlando Jogador. Com a ajuda deles organizou fugas mirabolantes, como em janeiro de 1980, quando conseguiu escapar da ilha de barco. Junto com seus companheiros no crime começou a organizar a Falange Vermelha e o tráfico de drogas de dentro da Ilha Grande, entre 1969 e 1975.

Como nasceram as facções

A história e as técnicas de guerrilha adotadas pelo PCC, maior organização criminosa brasileira, para dominar o País

Por Alan Rodrigues
No final da década de 70 era freqüente nos presídios brasileiros presos políticos e bandidos comuns dividirem o mesmo espaço. A convivência forçada ensinou toda a população carcerária que só de maneira organizada poderiam fazer valer bandeiras como o fim da tortura, por exemplo. É nesse contexto que surge no Rio de Janeiro a Falange Vermelha, organização criminosa hierarquizada que conseguia denunciar os maus-tratos a que seus membros eram submetidos. Mais tarde surge, também no Rio, o Comando Vermelho, oriundo da Falange, e ainda mais sofisticado. A organização impunha sua força para fora dos presídios, fazendo com que os produtos de ações criminosas pudessem em parte reverter para um caixa único, a fim de garantir o sustento das famílias daqueles que estavam detidos. Em São Paulo, as organizações de presos começaram a surgir no início da década de 80, com as Serpentes Negras, grupo que exigia a implantação de uma política de direitos humanos no sistema penitenciário. O PCC se organiza a partir de 1993, depois do massacre que resultou na morte de 111 presos no extinto Carandiru, reivindicando os mesmos direitos das organizações do passado. No início de 2000, após rebeliões simultâneas em presídios, alguns líderes do PCC, entre eles Marco Camacho, o Marcola, foram transferidos para o Rio de Janeiro. “Esse foi o nosso maior erro”, lamenta o delegado Godofredo Bittencourt, diretor do Departamento de Investigações Criminais de São Paulo (Deic), especializado no combate ao crime organizado. No Rio, Marcola, que até então era um simples “batedor de carteiras”, manteve contatos e construiu relações com o Comando Vermelho, aprimorando a organização do PCC. De presos organizados passaram para o crime organizado, liderando ações como tráfico de drogas e de armas, contrabando, roubo a bancos e seqüestros de dentro dos presídios. Criaram uma estrutura financeira capaz de arrecadar mensalmente cerca de R$ 1 milhão, dinheiro usado para bancar outros crimes, corromper agentes penitenciários, manter as famílias dos presos e até custear a formação de advogados de confiança. O mais recente investimento se dá na qualificação de sua mão-de-obra. O PCC coloca alguns de seus membros em cursos promovidos por empresas de segurança privada para que aprendam a manusear armas mais modernas e até a fazer direção defensiva. Em 2005, Marcola conversou seguidamente com o chileno Maurício Norambuena, experiente militante da Frente Patriótica Manuel Rodrigues (FPMR) e um dos responsáveis pelo seqüestro do publicitário Washington Olivetto. Ambos estavam presos em Presidente Bernardes. Após essas conversas, o PCC parte para uma nova estratégia: a ordem é atacar, desgastar e desmoralizar a estrutura de segurança do Estado. Comandante Ramiro, nome de guerra de Norambuena, ensinou para Marcola como uma facção do porte do PCC poderia se transformar numa organização de dominação política para afrontar o Estado. Para consolidar sua liderança sob os 100 mil comandados no sistema penitenciário e dez mil “soldados” que agem fora das muralhas, Marcola usa o tacão do terror. Os números do governo são alarmantes. São quase 500 mortos por ano nos presídios paulistas. Só em 2004 cresceu em 200% o número de suicídios dentro dos presídios. “Muitos dos presos que têm dívidas com a facção ou não querem mais cumprir as ordens são ‘obrigados’ a se suicidar”, diz o padre Valdir José Silveira, coordenador estadual da Pastoral Carcerária, entidade não governamental que trabalha em defesa dos presidiários. Após eliminar líderes rivais (alguns decapitados), Marcola adotou posturas que aumentaram sua popularidade dentro dos presídios. Aboliu o uso do crack nas prisões, droga que segundo ele mesmo afirma acaba matando seu exército. Também decretou o fim dos estupros que vitimavam os presos mais fracos, e assim ganhou respeito. Leitor voraz, Marcola, que estudou até a oitava série, tem ambição. Além de usar as práticas da guerrilha urbana para colocar em xeque o próprio Estado e aterrorizar a população, o líder joga em outra ponta. O PCC vai financiar dois candidatos a deputado, um federal e outro estadual. Quer, a médio prazo, formar uma bancada para oficialmente “lutar pelos direitos do preso”.
O Brasil estava ainda na ditadura militar e o tráfico de drogas começava a se fortalecer no Rio de Janeiro e quando o Estado começou a retomar o território dominado pelos traficantes, enfrentou forte resistência. O tráfico se tornou um crime organizado no Rio a partir do final da década de 70. O antropólogo, Paulo Storani, que foi oficial do Batalhão de Operações Especiais da PM, diz que a cidade virou um ponto na rota da distribuição da cocaína que saía dos países andinos, em direção à Europa. À medida que a produção crescia nesse países, aumentava a oferta da droga aqui dentro e o preço diminuía para o usuário. Nessa mesma época, surgiram as facções criminosas dentro de presídios. Um grupo de presos comuns se uniu aos presos políticos para combater o bando que dominava as cadeias e que chegava a cobrar pedágio pela segurança dos detentos. Os assaltantes comuns aprenderam as técnicas de organização e guerrilha dos militantes políticos. Segundo a antropóloga Alba Zaluar, logo os criminosos descobriram um novo negócio. “Eles ficaram sabendo que assalto não estava dando tanto dinheiro, o que estava dando muito dinheiro era o tráfico. Vários assaltantes deixaram o assalto quando perceberam isso e passaram então a traficar. O tráfico se expandiu com muita rapidez no início da década de 80, final da década de 70”, lembra. O ex-oficial do Bope explica que as primeiras favelas dominadas em larga escala pelo tráfico foram a Mangueira, o Jacaré e o Morro do Alemão. Nos anos 90, três facções disputavam os pontos de venda de droga. As guerras entre elas fizeram os traficantes se armar cada vez mais. “Eles armavam pequenos exércitos e invadiam a área ocupada pela facção criminosa rival, na tentativa de ampliar o seu mercado. A facção rival fez a mesma coisa, começou a compra armas tão iguais ou tão poderosas quanto as da facção rival, se estruturaram, e aí começamos a verificar a guerra do controle na droga do Rio de Janeiro”, explica ele. Ele acredita que isso aconteceu por negligência das autoridades públicas ao longo de muitos anos: “Na verdade nós temos fronteiras de dimensões continentais, uma incapacidade principalmente da União e dos estados que têm fronteiras com países que fornecem drogas, são países que, pelo menos por onde entram as armas. Essa incapacidade do Brasil de fiscalizar suas fronteiras permitiu que as drogas e armas chegassem no Rio de Janeiro, como chega em qualquer lugar do país”.

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